sábado, 4 de abril de 2009

As pessoas ainda não foram terminadas...

As diferenças entre um sábio e um cientista? São muitas e não posso dizer todas. Só algumas.
O sábio conhece com a boca, o cientista, com a cabeça. Aquilo que o sábio conhece tem sabor, é comida, conhecimento corporal. O corpo gosta. A palavra "sapio", em latim, quer dizer "eu degusto"... O sábio é um cozinheiro que faz pratos saborosos com o que a vida oferece. O saber do sábio dá alegria, razões para viver. Já o que o cientista oferece não tem gosto, não mexe com o corpo, não dá razões para viver. O cientista retruca: "Não tem gosto, mas tem poder"... É verdade. O sábio ensina coisas do amor. O cientista, do poder.
Para o cientista, o silêncio é o espaço da ignorância. Nele não mora saber algum; é um vazio que nada diz. Para o sábio o silêncio é o tempo da escuta, quando se ouve uma melodia que faz chorar, como disse Fernando Pessoa num dos seus poemas. Roland Barthes, já velho, confessou que abandonara os saberes faláveis e se dedicava, no seu momento crepuscular, aos sabores inefáveis.
Outra diferença é que para ser cientista há de se estudar muito, enquanto para ser sábio não é preciso estudar. Um dos aforismos do Tao-Te-Ching diz o seguinte: "Na busca dos saberes, cada dia alguma coisa é acrescentada. Na busca da sabedoria, cada dia alguma coisa é abandonada". O cientista soma. O sábio subtrai. Riobaldo, ao que me consta, não tinha diploma. E, não obstante, era sábio. Vejam só o que ele disse: "O senhor mire e veja: o mais importante e bonito do mun­do é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando..."
É só por causa dessa sabedoria que há educadores. A educação acontece enquanto as pessoas vão mudando, para que não deixem de mudar. Se as pessoas estivessem prontas não haveria lugar para a educação. O educador ajuda os outros a irem mudando no tempo.
Eu mesmo já mudei nem sei quantas vezes. As pessoas da minha geração são as que viveram mais tempo, não pelo número de anos contados pelos relógios e calendários, mas pela infinidade de mundos por que passamos num tempo tão curto. Nos meus 74 anos, meu corpo e minha cabeça viajaram do mundo da pedra lascada e da madeira - monjolo, pi­lão, lamparina - até o mundo dos computadores e da internet.
Os animais e plantas também mudam, mas tão devagar que não percebemos. Estão prontos. Abelhas, vespas, cobras, formigas, pássaros, aranhas são o que são e fazem o que fazem há milhões de anos. Porque estão prontos, não precisam pensar e não podem ser educados. Sua programação, o tal de DNA, já nasce pronta. Seus corpos já nascem sabendo o que precisam saber para viver.
Conosco aconteceu diferente. Parece que, ao nos criar, o Criador cometeu um erro (ou nos pregou uma peça!): deu-nos um DNA incompleto. E porque nosso DNA é incompleto somos condenados a pensar. Pensar para quê? Para inventar a vida! É por isso, porque nosso DNA é incompleto, que inventamos poesia, culinária, música, ciência, arquitetura, jardins, religiões, esses mundos a que se dá o nome de cultura.
Pra isso existem os educadores: para cumprir o dito do Riobaldo... Uma escola é um caldeirão de bruxas que o educador vai mexendo para "desigualizar" as pessoas e fazer outros mundos nascerem...
Rubem Alves - Educador e escritor

2 comentários:

sandra disse...

Querida, parabens pela iniciativa na criacao desse blog que nos ajudara muito durante a pos. Voce sempre atenta, seleciona o que ha de melhor nas aulas...

Anônimo disse...

Adorei o texto!! Lindo e reflexivo .. Como tudo do Rubem Alves. Mas quero contribuir um pouco com a crônica. Quando diz que parace que o Criador cometeu um erro ou quis nos pregar uma peça, me parece (Só parece, quem sou eu para afirmar por Deus) que Ele sabia sim exatamente o que fazia. Ele nos deu algo chamado Livre Arbítrio que é exatamente isso.. ter que pensar.. ser incompleto. ele nos deu a oportunidade de nos formar! Estamos sempre em contrução, somos seres inacabados e essa construção vem da nossa parte! É iniciativa nossa! Rubem Alves é um dos escritores mais perfeitos e completos que eu conheço! com certeza sou fã. Tudo que é d'Ele eu paro pra ler. (Ah, isso não foi uma crítica é a minha interpretação. É o que eu tenho a dizer sobre o que foi dito. e por sinal fazer essa pergunta pro aluno: "O que vc tem a dizer sobre o que foi dito?" é fantástico).
Parabéns !!!